Estória de amor.

Existem dois tipos de histórias que me fascinam: as do oculto e as de amor. As primeiras, porque me prendem ao orador e só me lavanto quando o fim me é revelado, as últimas, porque nunca me consigo ausentar antes do final. A história da Viviane e do João é uma história de amor... Contava-me ela há uns dias em choro compulsivo, nos seus 65 anos com o Parkinson como fiel companheiro de todas as horas que o João, certamente não voltava à minha consulta e eu limitei-me a ouvir. O João foi-me apresentado pela Viviane como sendo o seu amigo de infância, mas algo no olhar me dizia que ele era muito mais que isso... A Viviane conheceu o João no preciso momento em que se conheceu a si mesma, tinha 4 anos e ele tinha na mão o pão com manteiga que momentos antes segurava ela, como ele sempre foi tão guloso. Foram crescendo lado, a lado, escola básica, secundária, foram ambos para Macau estudar com as respectivas famílias e sempre com a certeza de que seriam "namorados" toda a vida. Voltaram e ambos no mesmo curso da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra com uma única diferença: Viviane dava nas vistas sem querer, o João fazia de tudo para ter o seu público. E ela foi reparando ano, após ano na necessidade dele de se mostrar, de ser galanteador, quer ela estivesse presente ou não. E o que faz um coração magoado? Asneira. "Agora vou pensar com a cabeça e não com o coração." Viviane foi deixando o tempo passar e conheceu por intermédio de amigas um porto seguro, um namorado que não aquecia, nem arrefecia, mas que por este e aquele aspecto foi o suficiente para o namorar. Os anos foram passando e João já tinha o seu trilho apagado, Viviane só voltou a saber dele quando soube que este tinha ido para o Ultramar. Anos passaram, quando voltou a ouvir o nome dele sem ser nos pensamentos dela, já tinha ele nos braços uma filha e ao lado uma esposa que Viviane conhecia dos tempos de primária, dela e do João. Viviane chorou nesse dia, como não tinha memória de ter chorado e deu por si a desejar que nada tivesse acontecido daquele modo... No dia seguinte Viviane aceitou o pedido de casamento outrora rejeitado e quando deu por si tinha já três filhas e um casamento sem aquele amor, anos após anos assim foi vivendo. Para si e para as filhas, mal sentia a presença do marido, mas subitamente numas férias de verão dispara no silêncio do crepúsculo a seguinte frase "Porrra! Ao menos o outro não me aborrecia desta maneira! Tu aborreces-me!" Ao que a cunhada prontamente a informa "Mas ele está na Nazaré?!" "Na Nazaré, aqui tão perto?!" O mundo estremeceu... Viviane sabe que o seu João mora a poucos quilómetros e na solidão de uma vida vivida para os outros escreve-lhe nas costas de um desenho que João lhe fez há mais de 30anos "João, preciso de um amigo." e envia para o colégio militar onde ele leccionava. No dia em que o correio foi entregue o telefone tocou: "Viviane, quem te magoou?!" É a voz dele, Meu Deus, os sentimentos, voltou tudo... Espera, não pode ter voltado a mim o que nunca se foi... Ele não mudou, ainda vive naquele corpo o meu João. Encontrámo-nos, falamos de tudo, ele entende-me, eu sei-o de cor, divorciamo-nos. Ele deixa tudo para trás, quer que eu fuja com ele, mas eu não posso deixar as minhas filhas. Elas não merecem, não posso ser egoísta agora, mas como elas o adoram e ele a elas. Tivemos ambos 3 filhos, eu três filhas e ele três filhos. Como a vida se cruza. Ele deixa o oeste e ruma ao minho, quer que eu vá com ele, mas passamos 5 anos em namoro e como ele me faz bem! Mas a sua necessidade de ir mais longe, leva-o até Londres, como ele gosta de tocar gaita de foles e como eu não suporto aquele som, é terrível, mas ele não o sabe. Seria incapaz de o magoar. Mas ele magoa-me sem dar por ela. As cartas desaparecem, os telefonemas perdem-se no caminho. Nem me atende! Eu sinto que ele está a ir-se embora novamente, como um Pardal no fim de um dia de sol... E eu fico, fico sempre para trás como uma folha de jornal amarrotada. Sei bem que não aconteceu nada, os filhos não me culpam de nada, têm o meu número e cresceram a ouvir o meu nome e as histórias mais bonitas que ouviram (contaram-me eles) é as que o pai lhes contava aos falar-lhes de mim. Passado meses, sei da Inglesa que se fingiu apaixonada por ele, disse-lhe o que ele sempre quis ouvir, fingiu fugir com ele, fingiu um romance de Agatha Christie (logo os preferidos dele) e ele burro, nem topou que ninguém deseja um velho. E ela leva-o, levou-o para o centro do ciclone, tirou-lhe tudo o que podia e quando ele ficou sem mais para dar ela deixou-o, mesmo lá no mesmo sítio. Surpreendida? Eu não. Eu conheço o João como me conheço a mim ou até melhor. Ele voltou, contou-me tudo e eu tudo ouvi. Como eu sou parva e apaixonada por ele. Mas a franqueza dele, faz-me amá-lo mais e mais. Eu continuo com as minhas filhas, casei-me de novo com o meu ex-marido, tentei recompor as coisas, mas nem eu o amo, nem ele me ama, ela ainda ama a Viviane que eu fingi ser, mas que nunca fui, o meu coração pertence ao João e sempre vai pertencer. O João agora mora em Leiria, quer que eu mude para lá, mas eu não me mudo, não agora aos 60 anos, quero ver os meus netos a crescer e quero que o João cresça também. Separo-me novamente e juro para mim mesma, que aconteça o que acontecer, o meu ex-/ex-marido não merece que eu o faça sofrer. Ele é um excelente pai e não merece sem um peão nesta história em que eu desejo o meu rei. Quando penso que tenho o tempo como aliado o João vem morar comigo, mas a minha doença não me ajuda a tomar conta dele e a tosse que ele tem. E agora a Viviane chora "Ó Dra, porque é que o meu João me guardou o pior?! O fim da vida, ver-mo-nos a morrer dia após dia, ninguém merece!" Neste momento o João repousa nos cuidados intensivos dos Covões, com uma pneumonia que teima a levá-lo para ninguém sabe onde. Neste momento, a Viviane não quer que ele fique com ela porque tem a clara noção que não tem condições físicas para tomar conta dele, que não tem conhecimentos médicos para o ajudar e que o porte dele é muito superior ao da Viviane, mas também não o quer longe "Ó Dra.. (silêncio) eu sem ele morro..." E que digo eu? O nó que tenho na garganta não me deixa dizer nada, pego-lhe na mão e apercebo-me de como é doce e suave a sua pele...

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