Carta aberta a Afonso Cruz - Feira do Livro do Porto.

Estimado Afonso Cruz, 

escrevo-lhe no seguimento de mais um prémio. Sou sua leitora assídua, tive o privilégio de o dizer pessoalmente e no calor das emoções de quem conhece um herói. 
Agora que Flores foi galardoado com o prémio Literário Fernando Namora, deixe-me contar-lhe o prémio que também recebi, o seu homónimo. Pode ainda não o saber, mas fui a feliz contemplada!
No passado dia 17 de outubro, compareci na Feira do Livro do Porto, trabalhei nesse sábado e devido a acontecimentos recentes que enumerarei mais à frente, não consultei o programa, não tinha como saber que o AC estaria também presente nesse dia, no mesmo local, mas noutro horário. Adiante. 
Perdi um sobrinho soberbo de 7 anos, a 27 de agosto, muito a custo lá fui. Nesse sábado tinha a família materna num casamento, amigos meus muito próximos noutro casamento, convites para os dois, mas a obrigatoriedade da agenda, enviava-me para o Porto e ainda bem que a esse convite não renunciei. Fui com o meu André, os meus cunhados e a avó materna do meu sobrinho. Não se consegue, por mais que se tente, fugir ao que se sente, também não se consegue colorir um desenho sem ter vontade de usar cores fortes, até porque nem todas as flores são margaridas, as piores e com mais cor, são as perpétuas. Estas ficam e multiplicam-se pelo infinito e com forte, acentuada cor. Tal como a nossa dor. E na viagem para o Porto, as cores eram ténues e o tom de voz sempre embargado. Cabíamos 5 num carro, quando o hábito é de andarmos sempre em dois. Ele faz-nos e fará sempre muita falta!
Ao entrar nos Jardins do Palácio de Cristal do Porto, os meus olhos deram com o seu nome. Que alegria! Que bom sentir novamente no peito uma extrema felicidade de mão dada com uma súbita ansiedade. Pensei que escritor que é escritor, não fica só no seu horário, imaginei-o a ir mais cedo, a demorar-se e eu sonhadoramente achei possível encontrá-lo. E encontrei. Ou melhor encontrou-o o André. Senti-me a Rosa a mostrar Jerusalém à avó, quando mostrei ao meus quem o AC era. Senti-me como o Fazal na adoção do filho americano, senti-me ligeiramente provocadora ao deixar o meu chapéu em cima da cama do outro, mesmo sabendo que poderia incomodar. Confesso, permiti-me ser um pouquinho feliz, outra vez. Pela primeira vez voltei a sentir-me cá dentro, eu mesma, já mais composta.   
Obrigada AC, por mesmo não o saber, ter sido o meu prémio de consagração, por me ajudar a sonhar numa vida menos feliz, por me adjudicar que podemos ser alegres e tristes ao mesmo tempo, que temos de ser persistentes e contrariar a tristeza da vida. Porque o melhor da vida ainda é o que nos rimos dela e o que o AC escreve. Fomos jantar francesinhas, falei de si no resto curto do dia, prolongando-o para o dia seguinte. Tal como o nevoeiro enquanto presente, levei-os a todos comigo.
Obrigada por existir, por escrever, por ser o meu prémio, numa inigualável vitória, sem preço - bem sei, mas naquele dia voltei a ser eu mesma e também os meus por momentos voltaram a sorrir comigo. 
E sim, quando voltamos a nós, voltamos mais capazes, quiçá quase inteiros.  










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