Quando um filho mente.

Conheço-a há tantos anos como os anos que tenho de trabalho. Sei que gosta de mim, do meu trabalho e que dificilmente me trocará enquanto eu estiver ao seu dispor. Actualmente, estamos na fase da consulta anual, em que predominam as questões "Está tudo bem?"; "A família está toda ela boa?" e as respostas vão surgindo e como sou Dentista, a maioria dos meus utentes acabam por me ouvir mais do eu a eles (e ainda bem, é bom sinal!), porque eu sou uma faladora nata (metralhadora dizem alguns) e tenho sempre algo a dizer ou comentar. 
O que a esta senhora não adivinhava, era que em menos de uma hora adiante, quase tudo estaría mal. 
Contou-me alegremente que já tinha conseguido convencer o filho e o marido a virem às minhas consultas, que também eles, adoravam-me de paixão e que eu era muito atenciosa e carinhosa para com eles. Eu fiquei feliz, mas como atendo tanta gente não consegui identificar o XY e o YX de que me falava, mas os nomes não me eram de todos estranhos, porque além de serem nomes relativamente comuns, tinha-os visto quase de certeza há algumas semanas, embora adiantasse que não me lembrava especificamente deles, agradeci os elogios. 
"Dra, diga-me só uma coisa. Não é pelo dinheiro, eu só quero que fique tudo bem com o meu filho e que ele finalmente tenha os dentes bonitos e tratadinhos! Eu sei que ele tem a boca numa miséria, o medo que ele tinha levou-o àquele estado, mas 1400 euros para tratar a boca toda?! Não é fácil e não é para qualquer um. Mas eu estou a ajudá-lo..."
Achei muito estranho um valor tão elevado para uma reabilitação removível, contudo tentei não o demonstrar, avançámos com a consulta da senhora e o pior veio pouco depois.
"Dra, pode por favor dizer-me quando é o meu filho regressa à consulta?"
O programa informático com o nome completo do doente permite-me ver todo o registo do utente.
A pessoa em questão não vem ao consultório desde 2014.
Ele e o pai. 
Custou-me a proferir as palavras subsequentes, saber que o que estou a explicar está a magoar, no olhar que me retribuía não vi espanto, nem vergonha.
Apenas vi mágoa
O que disse a seguir partiu-me o coração.

"Pronto, não diga mais nada, eu bem sei o filho que tenho..."

E a raiva que dá saber que há cabrões assim, capazes disto e muito mais?

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