Nem um metro atrás, nem sessenta segundos à frente.

Era um casal idoso pacato e silente. Ele um escanzelado trôpego, ela estranhamente e por oposição, uma corpulenta obesa. Ela de ágil pouco tinha, ele (cadoz) habitava somente o lado direito do seu corpo, o esquerdo tinha morrido. Foi um AVC, li-o facilmente. 
E num largo areal que beijava um mar revolto, o local que escolheram para permanecer foi precisamente na rebentação das ondas. Nem um metro atrás, nem sessenta segundos à frente. Estavam precisamente no local errado para todos, à excepção deles. Especada concluí que estavam decididos a permanecer ali. E o espetáculo que se seguiu foi tumultuoso e aviltante, vi a primeira queda grotesca de ambos e as tímidas tentativas em saírem do mar, quando as ondas os deixavam à superfície. Um calvário. Veio a onda grande, ele caía e ela tentava levantá-lo. Surgiu a onda média, eles ainda aos rebolões sem sinais de elevação, os cabelos grisalhos que polvilhavam ambas as cabeças confundiam-se com a espuma do mar. Desceu uma onda pequenina, benevolente a dar-lhes a mínima margem para saírem e eles sem nunca o aproveitarem. Era um infeliz bailado de fantoches, como se fossem comandadas por quem as detestava. Caía ela - ele rebolava de corpo inteiro e tentava levantar-se só com meio corpo. Em vão, tentava levantá-la a ela também. Sentia-se um forte calor, tal como a forte rebentação das ondas assinaladas pela agitada bandeira vermelha. E eu - sentia alguma mágoa pelo deprimente espetáculo com lotação praticamente esgotada. Há instantes que perduram em oposição à sua curta duração. Levantei-me e sem me aperceber e dirigi-me a eles, pouco atrás de mim surgiram dois nadadores salvadores que a muito custo ajudaram-me a erguê-los. Eles de sorriso débil e envergonhado repetiam a expressão "Não é preciso, nós conseguimos!" Conseguem o quê? Quando a mente goza com um débil corpo, pouco se consegue fisicamente. Mas em bom abono da verdade, feliz é o louco que não o percebe.

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