Filha única.

O Público lançou uma reportagem sobre os custos de uma geração de filhos únicos e as subsequentes consequências. Eu como filha única revi-me em poucos aspectos e distanciei-me dos demais. Curioso o facto de na década de 70 o governo chinês impor a lei do filho único numa tentativa de bloquear o crescimento exponencial com a justificação de incapacidade aliada a uma sobrelotação do país. Ou seja, se todos temos direito a pelo menos um metro quadrado de terreno, a palavra refugiado não existe no dicionário, muito menos no vocabulário (mas isto é outro assunto, dizem os peritos).
Se no meu país já haja quem faça contas à despesa que eu provoco com a minha triste condição de ausente de irmãos (a troika está tornar-nos em matemáticos de meia tigela!), na Índia neste preciso momento, inúmeras mulheres praticam o fetocídio segundo as mesmas para evitar a vergonha a uma filha que não irá nascer, porque varão é e será sempre o primogénito rei, porque o apêndice externo vigora e dá vigor e mulher é bicho que não se quer. Segundo o artigo e passo a citar: “Quando estes miúdos chegam ao mercado de trabalho (…), exigem tarefas bem definidas e um constante feedback (…). E é muito difícil dar-lhes um feedback negativo sem esmagar os seus egos”, lamenta-se o empresário e escritor norte-americano Bruce TulganClaro que as reacções negativas me custam, afirmo claramente que a crítica ao meu trabalho são como reais farpas espetadas no peito e sinto sempre que exigem demasiado de mim; mas não o sinto em relação aos meus pais, exclusivamente. Sinto em relação a todos os que me rodeiam e mais ainda em relação a mim mesma; porque eu não posso falhar. É a minha obrigação moral, vem da minha personalidade e é o que exigo de mim mesma, dos valores em que acredito e me revejo, mas por certo alguém já estará a magicar que hipoteticamente o meu signo conjugado com o meu ascendente explicariam isto muito melhor. Enfim.
Li também que (e aqui foi a minha grande gota de água) que “Eles precisam que tudo seja soletrado e exigem ser levados ao colo”, aponta um. Será, conclui-se no artigo, o resultado de terem crescido sempre com alguém — os pais, mas também professores — a monitorizar todos os aspectos da sua vida e de terem crescido como pequenos príncipes. "  Aqui dei por mim a rir e a abanar a cabeça, porque quem diz isto não sabe em parte do que fala ou honestamente, eu não pertenço nem ao grupo de filhos únicos, nem com irmãos, devo estar no grupo do estaéboademais. Eu nem na minha infância, nem actualmente (fui) ou sou levada ao colo, se quero alguma coisa há que trabalhar e muito para alcançar o objetivo! Se quero 100, tenho que lutar por 1000, se não, chapéu! Aliás, eu acho que deviam agora re-escrever o artigo e estratificar os filhos únicos pelos rendimentos dos pais, cidade vs campo, filha única vs filho único; destro vs canhoto; louro vs moreno; e iria continuar a aparvalhar, mas não tenho tempo, porque a vontade, essa está cá toda. Passo a explicar.
Como nasci numa família em que se conta pelos dedos quem frequentou a faculdade por grande mérito económico dos meus pais, tive a sorte de poder ingressar na mesma porque só as minhas supostas capacidades não me levariam a lado nenhum. E, digo mais, tenho mais estudos que muitos primos, tios e outros, mas não sou nem de perto, nem de longe a mais inteligente. Adiante. Como fui eu levada ao colo, quando estavam eles mais que preocupados com as contas?? Com o pouco trabalho existente, ele com 25 e ela com 22 anos e com uma filha ao colo. Sim, porque eram 24/24h comigo ao colo!!! Enfim, o leite em pó era caríssimo, a minha mãe pouco leite teve e nem dinheiro tinham para fraldas descartáveis. A minha primeira casa tive-a aos 8 anos como presente de aniversário, até hoje o meu maior presente! E sou eu narcisista?! Agora comparam-me a mim na condicionante de filha única como variável com filhos únicos e filhos não únicos sem a mínima educação (tal como eu a conheço porventura por defeito!) que ainda não estão a apontar um dedo, já estão de birra assente e exigem! Isto de exigir ao pais é uma algo que não encaixa com o meu tico e teco. Na minha casa sempre quem mandou foram os meus pais!!! Estupidamente, estes filhos arrogantes exigem e o pior é que lhes é dado. Na minha adolescência uma rapariga que conheço assim que tirou a carta exigiu um carro aos pais, porque já tinham dado um à irmã. Caramba! E eu sou a narcisista por defeito?! Na faculdade, uma rapariga com mais que um irmão, se alguém que lhe dissesse fosse o que fosse, a frase ainda só ia a meio e a vingança já de lá vinha de retorno e por inteiro. Mas o defeito é meu.
Porra!
Dizem também que “Nas famílias, o facto de se ter só um filho pode levar a uma concentração das expectativas nessa criança, passando a ser não apenas o alvo de todas as atenções, como aquela que terá de ser tudo aquilo que os pais foram, desejavam ser ou querem que ela seja. Mas o defeito é meu e a decisão de ser filha única nunca foi minha. As expectativas dos meus pais sempre foram de que fosse saudável, verdadeiramente feliz e diz a minha mãe que nunca me faltasse nada. E o essencial nunca faltou, o acessório como a palavra diz não interessa. As expectativas que mais vigoraram e vigoram são as minhas sobre mim mesma, nunca senti a projecção dos sonhos deles em mim, porque ao meu pai não lhe foi dada a possibilidade de estudar, aos 14 anos já andava nas obras, a minha mãe teve a possibilidade de o fazer e não quis. Honestamente, ambos me disseram sempre que se eu gostava de estudar, que o fizesse porque me queriam ver feliz. A verdade é que se tudo correr bem ainda antes dos 30 anos estarei doutorada e não me vejo a ficar por aqui, porque tenho tanto sonho por realizar e tenho tanto a retribuir aos meus pais. Pais esses que este ano os levarei a Paris e vamos todos de avião, porque eles nunca voaram. Se os quero fazer feliz, tal como me têm feito a mim?! Claro que não. Eu sou filha única defeituosa e como o artigo quer induzir, eu só os irei levar para poder dizer que fui EU! Agora vem a parte ainda mais irónica. Porque quero ter tudo aquilo que verdadeiramente mereço, quero ser levada ao colo para todo o lado, ai de alguém que me dê um feedback negativo (é logo extraditado, porque eu quero, posso e mando!) e já que estou a provocar gastos no meus país, quero aumentá-los o máximo possível tal como o meu país me faz de cada vez que passo um recibo verde. 
Haja educação e filho único ou não, não dá despesa, nem desconforto social. Isso sim deveria ser debatido, eu não tenho, nem tive culpa de ficarem tão felizes comigo que não precisaram de mais filhos para preencher a lacuna que nunca existiu.
A verdade é como filha única não fui habituada a partilhar brinquedos com irmãos, fi-lo com amigos e primos, mas o que mais me custa sim é partilhar os meus pais, porque verdade seja dita, eles são só meus.

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