Ontem.

As viagens fazem mossa

Então se forem feitas no silêncio de uma rádio, pior ainda. A música com batida faz ligação directa ao acelerador, a música com lentidão embala o coração e as assim-assim fazem sentir a distância na pele, irritada por mais uma vez segurar longa e distraidamente o volante. O que se pensa nas viagens é igualmente avassalador. As amarguras azedam, as doçuras alimentam o coração por longas horas, as dores matam numa agoniante solidão. A espera transforma-se em pressa, a vontade de chegar contraria a necessidade de partir. E o pior ainda está para vir...o fim do dia.

Ao fim do dia, o sol apressa-se na faixa da esquerda, inquieto porque tem de iluminar a outra metade do mundo (isto diz ele com o seu ar emproado de quem esteve três meses sem aparecer), empurrando-nos fortemente o mais à direita possível onde languidamente a noite nos engole. A noite engole-nos enquanto nos vomita o sofrimento alheio de quem confessa às estrelas amores inquietos, insatisfeitos que sobrevivem graças a lágrimas que não chegam a ser partilhadas, bastou um não querer. As luzes ofuscam o olhar, brilhantes no espelho reflector e o laranja pisca incessantemente como quem acorda sobressaltado de um sonho bom. Quero dormir mais, quero voltar para onde fui feliz. Volta noite, não quero entrar neste novo dia que mal está a começar.

E que faço eu?

Peço para atrasarem a partida. Por favor, imploro eu. É que ainda agora cheguei e mal o abracei.