Livro II.
Poderia contar-vos como os Médicos me repetem insistentemente que estou a responder muito bem ao tratamento. Então o Dr. João, meu Brother, meu melhor amigo, mantêm-se incansável nos seus esforços. Às vezes parece-me o Vitor de tão preocupado que fica. Mas neste momento, não é a queda de cabelo, nem a mastectomia que me assustam. O que me aterroriza é que no fim de cada sessão de quimio não consigo pegar no colo de nenhum dos meus dois filhos. O Di fica de uma maneira, com um olhar de coração ferido. "Ó mamã, pega no Di!" Mas é me fisicamente impossível. Fico prisioneira de um corpo que já não me obdece e como se isso não me bastasse, sinto um nevoeiro que me faz perder em mim, tal como se me roubassem o corpo eu não o notaria nem me importaria, tal é o desalinhamento que sinto. É complicado aceitar o que se sucede acumulando os remorsos que me assolam cada vez que 'venho a mim' e me apercebo que mais uma vez não fui forte como queria ser. "Mamã, eu queria dar-te miminhos, mas tu adormeceste logo..." Assim começa a manhã de terça-feira com o Jó a entrar no meu quarto já tão preocupado comigo e ainda não são 6h30. Sorrio-lhe levanto os cobertores e deixo que ele se aconchegue em mim, sussurro-lhe que ainda adormeço mais rápido que ele, mas que em breve vai ser ele a começar a ganhar-me! "Ó mamã, tu és mesmo dorminhoca!" Sorrio mais uma vez e digo-lhe que agora vamos sonhar os dois o mesmo sonho, ele ageita-se a mim a seu jeito, sinto o meu Vitor a virar-se para nós, abraça-nos e revela "Começamos agora que eu também quero entrar nesse sonho com vocês meus madrugadores. João Pedro, o papá também gosta de ter a mamã de manhã só para ele sabias? Não é só às vezes à noite!" "Papá, já sabes bem que a mamã é minha, tu tomas conta dela quando eu não estou. Esquecido pá..." E enquanto me rio, eles continuam a marcar terreno em relação a uma pessoa que eles bem sabem que se multiplica em atenções e mimos para eles. Mas eu já sei que daqui a nada o Jó vai ser atacado pelo monstro das cócegas que ataca os "ladrões de esposas" como diz o Vitor e pressinto que o Dinis já vem a caminho do nosso quarto.
As segundas são os dias terriveis. Quimioterapia. Pego na energia do fim-de-semana, ato-a com bastante força ao coração com um nó bem cego mas que tudo me deixa ver e, avivo a memória para tudo de bom que há na minha vida e entrego as veias àquilo que tanto me dói, mas que dizem (e que eu sei) que ajuda a curar. Preferi assim. É o inicío da semana, o Vitor tem sempre o trabalho para delegar no Hospital e sai mais tarde de casa e vou com ele, deixamos os meninos no colégio e a meio de abraços e mimos e frases de "gosto de ti", "a mamã e o papá amam-te muito" e de ouvir a fantástica do Vitor "Ainda estou para conhecer as vossas míudas!" o que me faz rir não só pela frase, mas pelo espanto do Dinis porque cada vez que beijo o papá ele faz aquele ar de "Que vergonha!" tipica da idade. Mas ao mesmo tempo olho o Vitor de soslaio que é como quem diz "Não te estiques já, que as dores de cabeça com as míudas ainda vais ser tu a tê-las!" e ao vê-los correr para o recinto escolar, aquela imagem enche-me o peito e arrebata-me os olhos. Como eles são lindos! Retomamos a nossa marcha em rumo ao Hospital. O Vitor vai sempre comigo, não me lembro de lhe pedir para vir, mas da mesma forma que sempre choro cada vez que começo mais uma sessão ele sente o que o meu coração sente. O olhar dele tudo diz e o meu nada lhe esconde. Mas pouco depois recomponho-me e ele sabe que já pode ir ao encontro da sua equipa, que já me aguento e que infelizmente o que de mais duro há na vida, pelo menos uns breves minutos têm de ser ultrapassados em plena solidão. Nunca me custou aceitar a doença em si mesma. Não custou. O que me doeu na altura e ainda hoje me corrói, foi a doença ter surgido num período de abundante felicidade na minha vida. Não foi uma chapada, foi sim um comboio que surgiu do nada e me levou com ele porque se sentia só... E são assim as minhas terças-feiras, há já 5 semanas. Se tudo se mantiver como está fico-me pela sétima sessão. A ver vamos...
As segundas são os dias terriveis. Quimioterapia. Pego na energia do fim-de-semana, ato-a com bastante força ao coração com um nó bem cego mas que tudo me deixa ver e, avivo a memória para tudo de bom que há na minha vida e entrego as veias àquilo que tanto me dói, mas que dizem (e que eu sei) que ajuda a curar. Preferi assim. É o inicío da semana, o Vitor tem sempre o trabalho para delegar no Hospital e sai mais tarde de casa e vou com ele, deixamos os meninos no colégio e a meio de abraços e mimos e frases de "gosto de ti", "a mamã e o papá amam-te muito" e de ouvir a fantástica do Vitor "Ainda estou para conhecer as vossas míudas!" o que me faz rir não só pela frase, mas pelo espanto do Dinis porque cada vez que beijo o papá ele faz aquele ar de "Que vergonha!" tipica da idade. Mas ao mesmo tempo olho o Vitor de soslaio que é como quem diz "Não te estiques já, que as dores de cabeça com as míudas ainda vais ser tu a tê-las!" e ao vê-los correr para o recinto escolar, aquela imagem enche-me o peito e arrebata-me os olhos. Como eles são lindos! Retomamos a nossa marcha em rumo ao Hospital. O Vitor vai sempre comigo, não me lembro de lhe pedir para vir, mas da mesma forma que sempre choro cada vez que começo mais uma sessão ele sente o que o meu coração sente. O olhar dele tudo diz e o meu nada lhe esconde. Mas pouco depois recomponho-me e ele sabe que já pode ir ao encontro da sua equipa, que já me aguento e que infelizmente o que de mais duro há na vida, pelo menos uns breves minutos têm de ser ultrapassados em plena solidão. Nunca me custou aceitar a doença em si mesma. Não custou. O que me doeu na altura e ainda hoje me corrói, foi a doença ter surgido num período de abundante felicidade na minha vida. Não foi uma chapada, foi sim um comboio que surgiu do nada e me levou com ele porque se sentia só... E são assim as minhas terças-feiras, há já 5 semanas. Se tudo se mantiver como está fico-me pela sétima sessão. A ver vamos...
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