Dor.

Gostava de saber que distância é necessária à superficie do solo, para depositar um morto. Assim, seria mais fácil para mim saber que distância teria de percorrer para abandonar a minha dor. Às vezes engulo-a e tento guiá-la até às minhas entranhas, mas o nó ou forma-se na garganta ou surge um novelo mais a baixo. Parece-me até que cola em mim, mais apertada que qualquer sombra, com a nitidez de quem decora uma morada, sem nunca a abandonar. E questiono o coveiro. É no luto que aperfeiçoa a perícia em fazer covas, é na rapidez de sair a horas do emprego com silêncio e cheiro a morte. Diz-me que já o faz insconscientemente, que corta e talha a terra para nela deitar quem recentemente de lá desabrochou, a vida é no máximo vivida pela metade, se contarmos as noites. É como devolver à origem o que de lá saiu. É abrir uma broa, fatia-la e colocar lá alguém, imaginando ser uma fatia de fiambre de peru. E a terra come. 
Assim, afastava a dor e seguia em direção ao frigorífico, bebia água, desfazia o nó, desfazia o novelo e, calmamente, a vida seguia, como a água escorre - sem dor. 

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