Alma a banhos.

O segundo militar fardado com camuflado caminha em terra batida, de capacete, luvas pretas e óculos de sol pretos tal como os restantes oito, segue de braço esqueço erguido com telemóvel em riste, no braço direito tem a arma de fogo. O primeiro militar segura a arma de fogo baixa, com a ponta virada para o chão, com as duas mãos e olha para trás e para a esquerda. O quinto militar segura a arma com as duas mãos e caminha em frente, à frente do adolescente de azul. Do lado direito ao segundo militar está uma habitação em cimento com tábuas em riste e um muro de pedras. Atrás, na diagonal à direita, vêem-se três crianças em fila indiana e na perpendicular aos militares, a da frente com farda indiana vermelha, a segunda com azul esmeralda, ambos com o braço direito levantado como a pedir esmola, da terceira criança só se vê as pernas e uns calções de ganga que se vê atrás do primeiro militar; atrás de todos os pequenos parece estar um individuo de sexo feminino com calças brancas, crocks azuis claras e uma túnica azul escura com esboços brancos que esconde a anca e uma prega do lado direito. Uma quarta criança surge atrás do quinto militar, vestida com calças, túnica azul e gola alta vermelha, segura um saco azul claro preso a um pau na mão esquerda, é muito moreno, olhos fechados do sol e chinelos nos pés pretos com meias vermelhas. Está muito sol e vê-se algum pó no ar. Ao fundo laranjeiras, parte um telhado e uma floresta ao fundo.Estiquei o braço direito à espera de retribuição, atrás de mim os meus irmão imitam-me enquanto a minha mãe suspira. Passam 3 militares, eu intercedi junto do quarto que nada viu, ao todo parecem-me ser nove, mas está muito sol que reflecte a sua luz na terra batida e eu mal me seguro, quanto mais perceber se vejo nitidamente o que miro. A minha casa confunde-se com o chão, só se notam as quatro janelas dos quartos no primeiro andar, duas portas, duas janelitas no piso térreo, um monte de pedras empilhadas no local onde o muro foi abaixo, estando tábuas lo local do antigo portão de chapa cinza. Mais atrás vejo o meu irmão mais velho, parece-me que conseguiu trocar algumas velharias pelo almoço.
Abduela segurava na sua mão esquerda o manto vermelho do seu segundo filho, ألم البرد (Dorfri). Não o primogénito, nesse varão pedido emprestado aos deuses cujo dividendos cumprira em carne viva a promessa dos 25km de joelhos nas ruas do جرأة (atrevimento). Seria, mal ela duvidada, o filho que mais tristeza lhe provocara, pelo menos, até ao presente, era dos 4 filhos, o que já não respirava. Passaram-se 35 anos, ele tinha 6 na altura, já viúva resolvera finalmente lavar o manto. Não para remover o doentio odor das roupas, mas na tentativa de lhe lavar a dor. Insistia em lavar à mão, esfregando suavemente a roupa nas suas lágrimas, o frio suor amaciava o ardor na garganta. Chorava não por ela, mas essencialmente por aquilo que sabe que ele não viveu, a vida não subsistida e que a morte lhe roubou. A verdade é que aquele seu filho era diferente. Pressentia as dores, pressentia-as nas noites mal dormidas, em sonhos remexidos por fantasmas desfeitos. Mas nunca, em momento algum adormecera e sonhara com ele, não passando uma única noite sem o desejar sofregamente. Adormecera sem se aperceber, desenfreadamente lutando para manter os nós, sentia-se menos mal com eles. Sem se aperceber de onde vinha o som ouvira lá o longe:
-Mamã? Mamãããã......
-Dorfri?
-Sim...
-Meu filho... Como é que é possível? No meu primeiro sono sem te desejar? Porquê só agora?!
-Porque só hoje estás preparada.
-Preparada?!
-Sim. Hoje foi o teu último dia. Os deuses ouviram as tuas preces e... eu vim buscar-te!
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-Mário que estás a fazer? Acabara de ouvir a minha esposa mesmo atrás de mim, envolvida na roupão, nem reparei que já tinha saído do banho enquanto eu ainda permanecia sob a água que insistia em queimar-me os ombros.
-Eu... então não vamos tomar banho?
-Estás e brincar comigo, certo?!
-Brincar contigo? Mas porquê?!
-Então eu ainda agora aí estive, fui só ao quarto buscar o desmaquilhante e disseste que sairias atrás de mim e agora chego aqui, tens a casa de banho alagada e ainda me dizes que vamos tomar banho?!
-Tu estiveste aqui comigo?!
-Sim Mário! Agora estás a assustar-me! Estás a assustar-me! Estás bem?
-Não sei, acho que não! Era capaz de jurar que estive agora num quarto deitado lado a lado com a minha mãe. Luísa estava agora petrificada. Era sua esposa há 5 anos e apenas agora o ouvia falar da mãe pela primeira  vez. O irmão dele contara que Mário assistira ao seu estrangulamento, momento que aparentemente tinha removido da consciência, pois não apresentava qualquer alteração comportamental, parecia a Luísa que ele apagara por completo as memórias desses momentos, como se nunca tivesse existido. Agora ali ao vê-lo em tronco nu, envergando um olhar ainda mais despido sobre a água parecia-lhe o pobre e recluso menino que vira na fotografia há poucos minutos.
-Anda cá... Conta-me tudo! Luísa estava agora sem roupão, junto a Mário debaixo do chuveiro envolvidos num abraço de chuva miudinha. Mário não falava, chorava silenciosamente, com saudades de quem partira sem ter aprendido a viver, ela só sobrevivera.
-Eu vi o rosto dela... Estava tranquila e maravilhosa! Como era linda a minha mãe... Ela é linda! Luísa passava-lhe agora a mão atrás do pescoço de Mário, querendo desfazer-lhe o nó que sabia ele ali o ter.
-Mas depois vi a corda! A corda, o sangue.. e vi-a, a ela, de cabeça a pender para o lado e com a língua de fora...!” Eu não quero ver isto! Por favor... Tira-me esta imagem da cabeça!
-Ó meu amor... Tu hoje viste a tua mãe a sorrir-te em anos! Agarra-te a essa memória. Não penses no resto, deixa ir...
-Sim, como ela é linda! Posso pedir-te um favor?!
-Se tivermos uma menina, podemos dar-lhe o nome dela!
-Claro que sim! Quer dizer... Posso ao menos saber como se irá chamar a nossa filha?!
-Demaemora... em português significa amor de mãe.
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Neste muro em que me encontro, sou uma grande parte de um pequeno todo. Vejo na minha frente a desgraça, pressinto a morte no pó de pegadas, mas vejo também a esperança nos jovens olhares. Esperança em que futuro com este presente?! O terror no olhar da mãe prevê os últimos minutos da sua vida. Curiosamente, não se preocupa com ela, apenas com os filhos que ainda têm idade para colo. Parece-me um presságio para o que vi nos momentos a seguir. As cordas, o sangue, os hematomas, a cor roxa... Não consigo esquecer essa horrível cor. Detesto! Pior de tudo. O filho mais novo tudo viu, foi o único a encarar, quando lhe disseram que não o podiam fazer, que deveriam permanecer de costas voltadas. Não parou de mirar, fixou o olhar no rosto da mãe e assim perdurou. Viu tudo! Não pestanejou quando a viu ser espancada, quando a viu escorraçar, mas pareceu-me que o coração ficou petrificado num amor muito maior. Como poderia ele ver só metade, de quem lhe deu a vida por inteiro?!

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